segunda-feira, 7 de maio de 2012

Álvaro de Campos

Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
(…)
Seja o que for, era melhor não ter nascido,  

Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,  
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,  
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair  
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,  
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,  
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs“.
.
 Álvaro de Campos  em Passagem das Horas .

' v ie


Avançamos a posse e a soberba do ser humano que esquecemos quem mesmo somos , desviamos os ritmos e desalinhamos os sons.
Temos tréguas e tragédias dentro de nós, e medo do recipiente do saber que se escoa uma frase.
O que tem em palavras tão belas e doces?
Por que agimos como se a verdade de nossa alma fosse o pecado que a condenasse, fazendo a veracidade de nossas vontades, perderem assim, todos os sentidos que demos a elas?
Suplico-me, únicas vezes que fazem lembrar a solidão do ser quem é por inteiro.
É como recorrer a arte, é entregar-se para si mesmo, isolar-se de todos os outros, e em devaneias, exorcizar todos os demônios de si.... e se ainda sobrar alguma coisa, que escoe então, no papel e não no lodo, no palco e não em um quarto de um desespero sem causa.
Assim, arte ou verdade não morrem em silencio, como bonecos que não se controlam desterram-se a fugir de si mesmos, procurando alguma figura que os encante qualquer outro igual, desvalidando o fato de por Deus, sermos únicos e não iguais uns aos outros.
Assim, a veracidade do ser perde-se aos poucos, soa como pensamento automático totalmente preso ao controle daqueles únicos que podem ser livres de pensar que em alguma coisa, são um tanto diferentes.
É como abrir os olhos toda as manhas e sem lavar o rosto, ter em sua vista o embaçado de um destino feroz. Uma automaticidade que o faz seguir a única linha dentre seu nascimento e sua morte, fazendo uma corriqueira passagem por seja lá o que for, não é de sua vontade.

terça-feira, 1 de maio de 2012

"A Sombra do Vento


Mas, como no fundo sou um cavalheiro dos de antigamente, não me aproveito, e com um casto beijo na face me conformei. Porque eu não tenho pressa, sabe? Há por aí pategos que acham que se puserem a mão na bunda de uma mulher e ela não se queixar, já a têm no papo. Aprendizes. O coração da fêmea é um labirinto de sutilezas que desafia a mente grosseira do macho trapaceiro. Se quiser realmente possuir uma mulher, tem de pensar como ela, e a primeira coisa é conquistar lhe a alma. O resto, o doce envoltório macio que nos faz perder o sentido e a virtude, vem por acréscimo.
Carlos Ruiz Zafón in “A Sombra do Vento”

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Desassossego

"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com
quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância – irmãos siameses que não estão pegados."
Fernando Pessoa.

Aproveitando o clima, amanha no teatro treze de maio:
 Desassossego - POA - Espetáculo cênico-musical baseado na obra de Fernando Pessoa e nas mais belas canções da música popular brasileira. Os textos escritos há quase 100 anos são completamente atuais e as músicas contemporâneas nos remetem a tempos de outrora. Com Jairo Klein e Fernando Büergel. Realização: Fernando em Pessoa Produções Artísticas. Classificação: 14 anos.

O amor acaba

                                                                                                                                         O amor acaba
Paulo Mendes Campos



        O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Casmurro 's

Um pouco de machado de assis para uma boa noite de sono.
Que seja breve!
"Voltei-me para ela; Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo, devagar, e ficamos a olhar um para o outro… Confissão de crianças, tu valias bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade, não falamos nada; o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas as quatro, pegando-se, apertando-se, fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto. Devia tê-la marcado; sinto falta de uma nota escrita naquela mesma noite, e que eu poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse, mas não traria nenhum, tal era a diferença entre o estudante e o adolescente. Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do amar”.
. Machado de Assis in Dom Casmurro .


Não é tristeza não...


Não é tristeza não, às vezes é assim mesmo, você não acorda legal e só espera o dia passar.
As coisas continuam em pé ao redor, não é o fim do mundo, não tem por que chorar. As coisas só são assim, normais. Chatas. Monótonas.
E não importa por mais incrível que o mundo gire as coisas continuam paradas como se nada que você fizesse naquele dia tivesse graça e nada que você viesse a fazer vai mudar alguma coisa. É como quando estamos gripados e não conseguimos pensar direito, ou quando sonhamos com alguma coisa boa ou ruim, tanto faz, e depois na nossa lembrança só tem aquela coisa embaçada e dizemos: “foi um sonho”. É isso então garota, é enxergar embaçado. Ouvir sem absorver. E Desistir mesmo que de nada, de tão sem graça que é. É fazer planos e não cumprir, marcar encontros e não aparecer. Dando uma desculpa , qualquer coisa que te deixe confortavelmente parado no seu mundinho. É como estar apaixonado, mas não sentir nada e nem entender nada. E ai quando você se esforça para enxergar o mundo, não da mais para ver ele direito. Você precisa de óculos, mas não existem óculos para isso. Você tenta remédios que te deixam pior ainda. E não estamos falando de força ou fraqueza, mas apenas de alguma coisa que te incomoda. Que não sei por que, mas é assim. E se me pedirem para explicar de novo, terão que chamar a atenção. Porque não estou mais lá. Porque não estou em lugar algum na verdade. Apenas de corpo. Já a alma, se perdeu por ai. Esta voando, pesando em alguma coisa, talvez em alguém, talvez com alguém. Talvez em um livro. Em um filme. Em um mês passado. Talvez em algum ano. Ou até mesmo em algum canto aqui dentro de mim escondida para não se machucar. Mas isso não tem nada haver com os outros e nem é culpa de ninguém, e isso não é tristeza não, você só não acorda legal e espera o dia passar. E repete isso todos os dias.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

go'on


Dizem que nenhum grito é tão forte a ponto de romper a realidade, mas será mesmo que a realidade é tão desnuda ao ponto de romper as críticas?
Seremos incluídos então no resultado de uma agonizante escolha na qual temos uma opção como real e definitiva, não podendo por fato ou memória voltar no tempo presente. 
Essas coisas tornam-se importantes pelo simples fato de importar para alguém.
Se, é ou não verdade. Só descobriremos depois de escolhermos. Mas por deus, se verdade for. Não temos escolha se não seguir aquela.
Então é melhor nos arriscarmos a pensar que tudo vem de uma relativa incerteza, na qual vislumbramos a memória de ter um futuro sedento de orgulho, do que presenciar pelo fato de ter o caminho mudado por forças do destino.
Sujeito, homem, espécie, somos todos medrosos ou ignorantes de não ver portas escancaradas bem na frente de nossos olhos, pedindo para serem vistas, serem arriscadas, serem composta por uma verdade, uma vontade...
E ai então mesmo que não saibamos o caminho, nos arriscamos a findar aquela melhora, motivada por um sonho, e acrescentado de um desejo novo e fugaz que nos intimida, de sermos tão pequeno, ai você pega na mão do outro e se joga com apenas a esperança de que algo de bom pode acontecer.
Vai acontecer, ou não vai?